“O Botão Gay” | O sutil queer bating de jogos “inclusivos”

Jogos como The Sims e Stardew Valley são aclamados pela representatividade LGBTQ+, mas eles apresentam na verdade um sutil nível de queer bating chamado por pesquisadores de “Botão Gay”. Mas como isso influencia verdadeiramente na representatividade LGBTQ+ em jogos?

Em 1999 um projeto de jogo de simulação estava quase para ser cancelado, mas tinha sua última tentativa de apelo e geração de interesse de público na E3 daquele ano. Durante a apresentação do jogo, uma mecânica errada de programação fez com que duas personagens mulheres no fundo da cena apresentada se beijassem. Foi o que precisou para gerar mídia e interesse pelo jogo.

O jogo se chamava The Sims, e aquela mecânica de possibilidade de relações homoafetivas que não estava nos planos iniciais do jogo e foi incluída erroneamente por um programador foi o começo da ascensão do game ao clássico e sucesso de vendas e público que a franquia é hoje.

Mas na verdade em The Sims você não é ‘canonicamente’ bissexual, podendo se relacionar com homens e mulheres no jogo. Você é ‘mecanicamente’ bissexual.

Bissexualidade mecânica

Em The Sims, em Stardew Valley, até em Assassin’s Creed Odyssey ou no recente Coral Island (que fizemos uma review aqui) e em tantos RPGs por ai suas opções de relações e romance dentro do jogo não são bloqueadas pelo seu gênero. Você pode ser homem ou mulher e se relacionar com homens e mulheres. Mas isso não te faz bissexual.

O termo ‘bissexualidade mecânica’ dita por Verilybitchie, youtuber que explora muitos aspectos do mundo bissexual e LGBTQ+ na plataforma, no vídeo ‘How Bisexuality Changed Video Games’ (Como a Bissexualidade Mudou os Videogames – que pode ser visto na íntegra, em inglês, abaixo) denota bem essa característica que muitos jogos usam de colocar no jogador o ônus de se ter ou não conteúdo LGBTQ+ eu sua gameplay.

Ou seja, caso você jogue os jogos acima e outros totalmente de modo heteronormativo e heteroafetivo, você nem suspeita que há conteúdo LGBTQ+ nessas mídias. Frases como ‘eu nunca havia sentido isso por outro homem‘, em Stardew Valley, só aparecem se você busca tais interações homoafetivas com os habitantes da vila. Mas canonicamente, em qualquer gameplay, há um velho preconceituoso na cidade que fala que não acha natural dois homem se casarem.

Até mesmo Leah, uma personagem do jogo de fazenda que possui um ex canônico no jogo, tem seu ex determinado pelo gênero do jogador. Ou seja se você for mulher e investir no relacionamento com Leah, vai descobrir que sua ex era mulher, no entanto, como homem, o ex da garota Leah também será homem, fazendo-a heterossexual.

Por isso o chamado ‘Botão Gay’, já que é necessário quase que com o apertar de um botão para que conteúdo realmente inclusivo seja apresentado no jogo. E isso funciona quase que como um queer bating, afinal homofóbicos que joguem o jogo de modo heteronormativo podem se sentir livres, sem receberem nenhum tipo de conteúdo ‘inclusivo’. O que não vale como representação verdadeira, convenhamos.

E isso está acontecendo atualmente com o polêmico Hogwarts Legacy, que traz em sua bagagem as falas perversas, transfóbicas e extremamente preconceituosas e burras da autora do universo de Harry Potter, mas coloca a possibilidade de se criar um personagem transgênero no jogo. Mas ele é mecanicamente transgênero, assim, já que depende do apertar ou não do ‘Botão Gay’, e não canonicamente, então não é como se remediasse toda a problemática envolvida.

Uma luz no fim do arco-íris

Felizmente, a indústria gamer continua em crescimento e dentro do mundo de jogos independentes há uma vasta opção de jogos realmente representativos da comunidade queer, e cada vez mais personagens canonicamente LGBTQ+ tem aparecido nos jogos. Alguns exemplos aqui são Varus de League of Legends e Tracer de Overwatch.

O RPG indie Night in the Woods, de 2017, serve como um bom exemplo de como os jogos de simulação podem representar pessoas LGBTQ + sem escondê-las apenas para jogadores que procuram encontrá-las. Ele traz um personagem principal pansexual dentro de um grupo descrito como “um grupo de amigos solidários que são largamente queer“. Ele não pisa nos calos dos jogadores quando se trata de decisões no jogo, mas sua representação não é algo que o jogador possa optar por não ter.

NPCs também são outra boa maneira de trazer mais visibilidade queer aos jogos, e assim fazê-los canônicos a gameplay de qualquer tipo de jogador do game. The Outer Worlds é um jogo retro futurista ambientado em um sistema planetário que foi colonizado por empresas da Terra. A primeira companheira que você recruta é Parvati, uma engenheira bi assexual escrita pela escritora bi assexual Kate Dollarhyde.

Você não pode namorar ninguém em The Outer Worlds, mas pode bancar o cupido de Parvati, que se apaixona pelo capitão do posto avançado Junlei. Nos dar um romance estranho que não é para o jogador, e sim uma missão paralela para esses dois é uma boa jogada porque faz com que pareça menos opcional, não é algo que você só faz se estiver procurando esse tipo de relacionamento para você – especialmente porque Parvati é uma personagem favorita dos fãs e todos querem fazê-la feliz.

Apesar da distopia hipercapitalista em que ela vive, ninguém desconfia do romance queer de Parvati. Ninguém se importa com coisas LGBT nesse jogo, racismo não existe, sexismo não existe, o único eixo de opressão é a classe. Esta foi uma escolha consciente da parte dos criadores, porque eles queriam garantir que todos pudessem se divertir sem serem atacados pelo jogo. Quando Paravti se assume assexual para você ou diz que gosta de uma mulher, você não pode dizer a ela que a sexualidade dela o deixa desconfortável. Não há respostas preconceituosas para o jogador escolher, porque o escritor não queria que assexuais ou pessoas LGBT tivessem que vê-los.

Só esperamos que as representações estejam cada vez mais presentes nos jogos, abertamente e se a bissexualidade mecânica do personagem do jogador for inevitável, é bom que tornemos inevitável também a representação em NPCs e em outros lugares possíveis. Só assim cresceremos como sociedade, mostrando que estamos presentes em todos os lugares e não somos mecanicamente escolhidos ou não.

Verilybitchie argumenta ainda muito mais sobre o assunto, comentando sobre outros jogos e sobre como isso tem moldado o estado atual da indústria dos jogos, é um vídeo que vale a pena ser assistido, mesmo com a longa duração e estar apenas em inglês, mas fica aqui a dica:

Fontes: Verilybitchie, The Conversation & The Warrior

Autor /

O corpo do Mario. A sociabilidade do Link. A fome do Kirby. E tão vencedor na vida quanto o Ash Ketchum.

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