GTA | O medo da “cultura woke” e os bebês chorões dos anos 20

Lembram quando a Rockstar Games lançou mais de um Grand Theft Auto, o famoso GTA, com protagonista negro? E quando teve protagonista latino e imigrante? E quando teve uma DLC focada em um personagem gay e um jogo com um protagonista LGBTQIA+? Ok, Trevor talvez seja um pouco insano e não seja um grande exemplo, mas “hey!”, todos jogamos com um protagonista LGBTQIA+ em 2013 e… Sério, vocês se lembram como isso nunca foi um grande problema quando esse jogo foi lançado?

Sim, GTA sempre abordou muitas questões raciais e sociais. Muito embora algumas representações mereçam suas críticas, especialmente por reforçar alguns estereótipos negativos, a franquia há muito tempo traz jogos com diversas críticas sociais, que possivelmente só os desavisados e desatentos não conseguiram absorver isso. Ou você só não gosta de ser confrontado com algumas informações e prefere ignorá-las… Ou preferiam.

Com a chegada de GTA VI, muito se fala do medo da Rockstar “estragar a experiência” inserindo muita “lacração”, mas, sinceramente, não seria uma novidade, inclusive, se GTA V estivesse sendo lançado hoje, é muito provável que sofresse das mesmas reclamações. E por que será que tem tanta gente com medo da “lacração”, depreciando obras internet afora? Sentem um medo tremendo da tão falada “cultura woke” estragar suas obras favoritas, seus personagens, sua… vida? Soa estranho, não é?

Como esse post no Neogaf: “Eu tô cansado de como a cultura woke está arruinando os modelos de personagem nos videogames!”

Tradução: “Honestamente, em todos os jogos, tô vendo agora, o modelo de personagem que eles basearam a atriz está fo#1%4mente ARRUINADO! Eles não são atraentes de forma alguma. O rosto parece nada a ver…

Mas o que é a cultura woke?

A cultura woke

O movimento “Woke” ou, traduzindo, “acordado”, ganhou força lá pelos anos de 1940 com o movimento afro-americano[1] e era inicialmente usado para descrever sobre como alguém estaria consciente, alerta ou literalmente “acordado” para questões políticas, sociais e raciais. Com o passar do tempo, o movimento ‘woke’ foi evoluindo com relação a outras formas de opressão a outros grupos.

Hoje em dia a “cultura woke” ganhou novos destaques na internet, geralmente sendo falada de forma negativa e vindo de um homens brancos cis-hetero. Podemos dizer que alguns dos principais atributos da cultura woke são:

Diversidade e inclusão

É o reconhecimento da importância de representar diferentes identidades, valorizando a diversidade, promovendo a inclusão e estando em alerta para outras formas de opressão, como gênero, orientação sexual, classe social, entre outras minorias, grupos sociais e aspectos identitários

Consciência Social

Aqui falamos sobre a conscientização das desigualdades sociais, envolvendo empatia, reconhecendo privilégios e educando sobre questões sociais e responsabilidade social.

Questionamento de Normas Sociais

É o incentivo ao questionamento sobre normas sociais estabelecidas, confrontando ideias tradicionais, desconstruindo estereótipos e buscando mudanças sociais. Esse questionamento não significa a rejeição de todas as normas, mas sim uma reflexão sobre seus impactos na sociedade.


Existe algo na psicologia que explique o medo à “cultura woke”? Eu pesquisei sobre duas teorias interessantes que podem embasar este suporto medo e gostaria de compartilhar elas com vocês, além de tentar relacionar com esse fenômeno um tanto recente do “medo da lacração”. São elas:

O Conservadorismo Cognitivo

A teoria do Conservadorismo Cognitivo[2] descreve como algumas pessoas estão propensas a manterem crenças existentes, tendo uma grande resistência a mudanças de opinião e até mesmo de atitude, mesmo que lhes sejam apresentadas novas evidências.

Quando apresentadas a essas novas informações, algumas pessoas tendem a distorcer os fatos ou fazer recortes de informações confirmem suas crenças, validando suas visões preexistentes

A teoria já foi abordada por diversos psicólogos. Em 1979, um estudo feito pelos psicólogos Lee Ross, Charles Lord e Mark Lepper examinaram esse fenômeno em relação às atitudes de participantes em relação à eficácia da pena de morte como forma de desencorajar pessoas a cometerem crimes.

O resultado foi: Os participantes não apenas interpretaram as evidências de forma que confirmassem suas crenças preexistentes, como também continuaram sendo firmes nas opiniões que tinham emitido anteriormente, mesmo sendo apresentados a evidências contrárias.

Podemos trazer também um recorte das Representações Sociais[3], que também é um conceito da psicologia social, onde ela fala que existem um conjunto de fatores compartilhados pelos membros da sociedade sobre crenças, percepção de mundo e até mesmo atitudes, que podem ser moldados de acordo com a cultura e tradições locais, e também contextos socioculturais, fazendo com que algumas ideias sejam mais aceitas do que outras.

Por exemplo: Muitas pessoas passam a vida sendo ensinadas que o modelo “certo” de relacionamento é o monogâmico, cis-heteronormativo. Quando são apresentadas a qualquer estrutura de relacionamento diferente daquela, pode causar uma aversão ou estranheza. Claro, podemos trazer isso para diversas outras esferas sociais.

A Dissonância Cognitiva

Aqui voltamos um pouco mais no tempo, em 1950. O início das suas pesquisas se deu por Leon Festinger e até hoje é um dos conceitos centrais da psicologia comportamental[4]. A dissonância cognitiva acontece quando comportamentos e crenças entram em conflito, causando um desconforto psicológico. Quando uma pessoa percebe esses conflitos, tenta reduzi-los através da mudança de crença, modificação de comportamento ou até mesmo adicionam novas informações para minimizar essa dissonância

E quais os resultados práticos disso? Podemos falar sobre mudanças de atitude, por exemplo. Uma pessoa toma uma decisão e decide mantê-la fiel a ela e a valoriza-la mais, mesmo que lá no fundo exista algum conflito com uma crença. Dessa forma, ela deprecia as crenças não escolhidas para reduzir seu desconforto psicológico.

Podemos trazer a dissonância cognitiva para o mundo dos games, também! Muitas das pessoas que refletem opiniões de ódio, muitas vezes estão fazendo isso apenas para reduzir um conflito interno, quem sabe até a repressão dos seus próprios desejos. Muitas pesquisas sugerem, inclusive, que pessoas homofóbicas possam ser homossexuais. Eu preciso dizer que é óbvio que nem todos os homofóbicos são homossexuais?

Enfim, a dissonância cognitiva nos trás diversas reflexões relacionadas ao medo que algumas pessoas sentem da “lacração”


Os bebês chorões dos anos 20

Chegamos em 2020, um ano com grandes jogos lacradores. Talvez o primeiro que eu me lembre de ter recebido tantos comentários de ódio foi The Last of Us Part II, já que ele tinha tudo que odiadores da cultura woke são contra: Uma protagonista lésbica, uma protagonista feminina que foge dos padrões de “feminilidade” imaginada por uma parte do público masculino, personagem trans que sofre perseguição religiosa, entre outras coisas.

Provavelmente o primeiro grande chororô dessa época, uma enxurrada de críticas negativas por parte dos jogadores, mas nada muito relacionado à narrativa, visuais, design de som ou gameplay, apenas um choro imenso por “lacrar demais”. E tudo isso ficou cada vez mais frequente com o passar dos anos, é como se as pessoas não tivessem mais medo de serem preconceituosas, ou como se elas não prestassem atenção nas coisas que estavam jogando até então.

De longe, o que conseguimos ouvir são apenas o choro de bebês de pessoas que parecem ter parado no tempo, que limitam suas crenças. Quando você vê alguém chorando por “cultura woke” nos jogos, apenas estão reclamando sobre minorias e de coisas que odeiam: Mulheres, pretos, LGBTQIA+, pobres. Claro, jamais irão admitir, tentarão fazer jogos mentais para argumentar seu ponto de vista e, como sempre, irão falhar e servir de chacota.

O primeiro trailer de GTA VI sai muito em breve, literalmente uma das franquias mais famosas e rentáveis do mundo dos games, vamos ver o que a Rockstar nos reserva e se vai deixar alguns marmanjos aos prantos!

Fontes:
[1] A history of “wokeness
[2] Biased Assimilation and Attitude Polarization: The Effects of Prior Theories on Subsequently Considered Evidence
[3] O conceito de representação social na abordagem psicossocial
[4] O que é Dissonância Cognitiva?

Ítalo Tabosa

Autor /

Me chama! (No intuito de não ir)

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